segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Desinfetantes e Sanitizantes – Comprovação da Eficácia


Caros colegas, depois de um grande hiato por motivos pessoais, volto com meus artigos para o blog. Este finaliza o assunto sobre Desinfetantes e Sanitizantes iniciado nos dois posts anteriores. Vou tratar sucintamente dos testes de eficácia, muito importantes para a aplicação do produto escolhido. O assunto é vasto, portanto vou concentrar-me nos testes mais usados para a comprovação da eficácia.

Objetivo dos testes

Escolhidos os desinfetantes e sanitizantes que serão usados, é importante a verificação da sua eficácia frente às cepas padrão e cepas in house. Todo desinfetante, ao ser registrado na ANVISA, necessita cumprir com os testes de eficácia de acordo com seu campo de aplicação, sendo os testes indicados pelas normas vigentes atualmente, que podem ser consultadas através do link: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/4967127/Biblioteca+de+Saneantes_Portal/e7bb6d20-16b3-4f22-b49a-3f9aa4676122

Mas o fato de cumprirem com os testes não isenta o analista de realizar testes em seu laboratório para comprovar sua eficácia, uma vez que deve-se levar em consideração as particularidades dos ambientes a serem aplicados, tais como superfície, bem como cepas in house, isoladas de monitoramento ambiental. É preciso demonstrar a habilidade do desinfetante para provocar a letalidade dos organismos de interesse.

Qual metodologia utilizar?

Métodos para registro na ANVISA

Quando eu trabalhei em laboratório terceirista, fiz muitos ensaios para registro na ANVISA pois tínhamos o REBLAS (hoje substituído pelo INMETRO). Estes ensaios seguiam os métodos descritos pelo INCQS, que por sua vez, eram uma tradução dos métodos da AOAC. Basicamente os ensaios para ação bactericida, esporicida e micobactericida, consistem em utilizar-se 60 cilindros carreadores (inox ou porcelana, depende do microrganismo a ser testado) contaminados de acordo com a descrição de cada método, que são deixados em contato com 10 ml amostra, em um tubo de ensaio (1 para cada cilindro), pelo tempo indicado no rótulo. Passado o tempo de contato, o cilindro é transferido com auxílio de uma alça de platina para um tubo contendo meio de cultura neutralizante, onde permanece por 20 minutos. Terminado o tempo, os cilindros são novamente transferidos para outro tubo contendo meio de cultura semelhante. Posteriormente, os tubos são incubados para se verificar se ocorre crescimento bacteriano.

O desinfetante, para ser considerado satisfatório, deve ser capaz de matar os microrganismos teste sobre 59 dos 60 cilindros utilizados, o que confere um nível de confiança de 95%. No caso de resultados insatisfatórios, o ensaio deve ser repetido para confirmação. Quando o resultado do segundo ensaio for diferente do resultado do primeiro ensaio, realizar o terceiro ensaio. O resultado final será aquele obtido em dois ensaios com o mesmo resultado

Para teste em produtos aplicados por mecanismos de aerossol ou bomba de spray, os cilindros são substituídos por lamínulas de vidro.

Já para testes de atividade fungicida, uma suspensão filtrada contendo apenas os conídios do organismo Trichophyton mentagrophytes é inoculada diretamente no produto, por períodos especificados no método. Após o tempo de exposição, uma alíquota é amostrada e transferida para o caldo neutralizante.

Embora os métodos acima sejam os requeridos para a comprovação de eficácia para registro dos saneantes, particularmente não acho que sejam os melhores para uma avaliação no laboratório para uso na rotina de limpeza e sanitização. São métodos que não permitem avaliar a redução logarítmica, uma vez que você aprova de acordo com o número de tubos com ou sem crescimento.

São técnicas trabalhosas, que requerem muita atenção e destreza do analista, uma vez que são testes com tempo de contato pré determinado e precisam ser cronometrados. O analista deve estar bem organizado, pois uma vez iniciado o ensaio, não pode parar. Mas uma vez dominada a técnica, esta pode ajudar em outro tipo de ensaio.

Elaboração de protocolo de validação

Outra maneira de verificar a eficácia dos saneantes escolhidos para uso na rotina diária é elaborar um protocolo de validação, adaptando-se um método padrão para situações específicas, de modo à obter-se resultados que satisfaçam melhor o perfil do ambiente. A Farmacopeia Americana, no capítulo <1072> "Disinfectants and Antiseptics" sugere além dos métodos AOAC (lembrando que os métodos INCQS são uma tradução destes), ensaios em superfícies duras. Testes de superfície dura são usados ​​para imitar as condições da sala limpa, ou outro ambiente, incluindo a natureza das superfícies e o método de aplicação, seja pulverizando ou esfregando. Um método de superfície dura envolve testar o desinfetante em cupons, que são aproximadamente 2"por 2" (5 cm por 5 cm) amostras de superfícies representativas encontradas na sala limpa ou outro ambiente. Exemplos de superfícies são de aço inoxidável, vinil e azulejo. Abaixo está um breve resumo de um método que usa cupons:
  • Os cupons são inoculados com 0,1 mL de inóculo de microrganismo;
  • O desinfetante é aplicado no cupom;
  • O desinfetante é deixado no cupom por um determinado período de tempo. (Por exemplo, 0, 5 e 10 minutos);
  • Os cupons são amostrados para recuperação;
  • As amostras são neutralizadas e plaqueadas ou filtradas e transferidas para o meio e incubadas;
  • As colônias são enumeradas;
  • A redução de log é determinada para cupons tratados versus cupons não tratados. O uso de controles positivos (cupons não tratados) é importante. Cálculos de redução de log dependem de boas contagens de controle;
  • O objetivo para a atividade esporicida é pelo menos uma redução de 2 log UFC e para a atividade bactericida é pelo menos uma redução de 3 log UFC. 

Além da escolha das superfícies, importante também o uso de cepas padrão e cepas in house, estas ultimas isoladas do monitoramento ambiental de rotina. Os micro-organismo padrão mais usados em protocolos são os que representam o que costumo chamar de “grupos de micro-organismos” a saber: Escherichia coli (gram negativo fermentador), Pseudomonas aeruginosa (gram negativo não fermentador), Staphylococcus aureus (gram positivo), Bacillus subtilis (gram positivo formador de esporo), Candida albicans (levedura) e Aspergillus brasiliensis (bolor). As cepas in house, como disse, são selecionadas de acordo com a frequência em que aparecem no monitoramento ambiental.

Neutralizadores que inativam os desinfetantes devem ser incluídos no diluente ou no meio microbiológico usado para enumeração microbiana ou ambos, conforme tabela abaixo:

Agentes Neutralizantes para Desinfetantes Comuns

Desinfetante
Agente Neutralizante
Alcoóis
Diluição ou polissorbato 80
Glutaraldeído
Glicina e bissulfito de sódio
Hipoclorito de sódio
Tiossulfato de sódio
Clorhexidina
Polisorbato 80 e lecitina
Cloreto de mercúrio e outros mercuriais
Ácido tioglicólico
Compostos de amônio quaternário
Polisorbato 80 e lecitina
Compostos fenólicos
Diluição ou polissorbato 80 e lecitina

Os caldos neutralizadores universais podem ser formulados para conter uma gama de agentes neutralizantes. Por exemplo, o caldo Dey/Engley (D/E) contém 0,5% de polissorbato 80, 0,7% de lecitina, 0,1% de tioglicolato de sódio, 0,6% de tiossulfato de sódio, 0,25% de bissulfito de sódio, 0,5% de triptona, 0,25% de extrato de levedura e 1,0% de dextrose; o caldo letheen contém 0,5% de polissorbato 80, 0,07% de lecitina, 1,0% de peptamina, 0,5% de extrato de carne de vaca e 0,5% de cloreto de sódio; e Caldo de base Tryptone – Azolectin – Tween (TAT) + tween 20 contém 4,0% (v/v) de polissorbato 20, 0,5% de lecitina e 2,0% de triptona. Se faz necessário uma avaliação prévia do sistema neutralizante. Um método validado para neutralizar as propriedades antimicrobianas de um produto deve atender a dois critérios: eficácia do neutralizador e toxicidade do neutralizador. O estudo de validação documenta que o método de neutralização empregado é efetivo na inibição das propriedades antimicrobianas do produto (eficácia neutralizante) sem prejudicar a recuperação de microrganismos viáveis ​​(toxicidade neutralizante). Os protocolos de validação podem atender a esses dois critérios, comparando os resultados de recuperação para os grupos de tratamento.

O primeiro é o grupo de teste, no qual o produto é submetido ao método de neutralização, então um microrganismo de baixo nível de desafio [menos de 100 unidades formadoras de colônia (UFC)] é inoculado para recuperação. O segundo é o grupo de controlo de peptona, em que o método de neutralização é utilizado com peptona ou fluido de diluição A, como a solução de teste. O terceiro é o grupo de viabilidade, no qual o inóculo real é usado sem exposição ao esquema de neutralização. Recuperação semelhante entre o grupo teste e o grupo peptona demonstra eficácia neutralizadora adequada; recuperação semelhante entre o grupo de peptona e o grupo de viabilidade demonstrou toxicidade neutralizadora adequada.

Em princípio, o protocolo deve mostrar que a recuperação de um inóculo baixo (inferior a 100 UFC) não é inibida pela amostra de teste e pelo método de neutralização. Os protocolos de validação podem atender a esses dois critérios comparando a recuperação entre três grupos de teste distintos: (1) produto neutralizado com inóculo, (2) controle de inoculo de desafio em solução tamponada e (3) inóculo na ausência de produto ou neutralizador. Isto pode ser estabelecido comparando diretamente o resultado na solução tratada (1) com o inóculo (3) acima. Se o crescimento na solução tratada não for comparável ao crescimento no grupo de inóculo, deve ser determinado se o próprio método de neutralização é tóxico para os microrganismos.

E por fim, a avaliação dos resultados. Dependendo da quantidade de princípios ativos testados e tipos de superfícies, a quantidade de dados gerados será grande. Quando executei uma validação deste porte, criei uma planilha no Excel, de modo a calcular as reduções logarítmicas apenas incluindo a contagem encontrada em cada teste. Uma vez que os resultados deveriam ser convertidos em log de base 10, para evitar erros de cálculos, ajustei as fórmulas nas células da planilha, então ao incluir o resultado encontrado na contagem das placas, este era convertido e a redução calculada. Muito mais prático e confiável do que fazer tudo em calculadora.

E reforçando: todo o processo de validação deve ser documentado. É importantíssimo a elaboração de um protocolo, bem como um relatório detalhando cada etapa do processo e fornecendo os resultados, de forma a não deixar margem para dúvidas.

Bem caros colegas, com este post encerro o tópico sobre Saneantes e Desinfetantes. Espero ajudar a esclarecer alguns pontos. Em caso de dúvidas, estou sempre à disposição para ajudar. Deixe seu comentário.

Até o próximo post!

Fontes:

UNITED States Pharmacopeia. 37ª ed. 2014
PINTO, T.J.A.; KANEKO, T.M.; PINTO, A.F. Controle Biológico de Qualidade de Produtos Farmacêuticos, Correlatos e Cosméticos