Caros colegas, depois de um
grande hiato por motivos pessoais, volto com meus artigos para o blog. Este
finaliza o assunto sobre Desinfetantes e Sanitizantes iniciado nos dois posts
anteriores. Vou tratar sucintamente dos testes de eficácia, muito importantes
para a aplicação do produto escolhido. O assunto é vasto, portanto vou
concentrar-me nos testes mais usados para a comprovação da eficácia.
Objetivo
dos testes
Escolhidos os desinfetantes e
sanitizantes que serão usados, é importante a verificação da sua eficácia
frente às cepas padrão e cepas in house. Todo desinfetante, ao ser registrado
na ANVISA, necessita cumprir com os testes de eficácia de acordo com seu campo
de aplicação, sendo os testes indicados pelas normas vigentes atualmente, que
podem ser consultadas através do link: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/4967127/Biblioteca+de+Saneantes_Portal/e7bb6d20-16b3-4f22-b49a-3f9aa4676122
Mas o fato de cumprirem com os
testes não isenta o analista de realizar testes em seu laboratório para
comprovar sua eficácia, uma vez que deve-se levar em consideração as
particularidades dos ambientes a serem aplicados, tais como superfície, bem
como cepas in house, isoladas de monitoramento ambiental. É preciso demonstrar a
habilidade do desinfetante para provocar a letalidade dos organismos de
interesse.
Qual
metodologia utilizar?
Métodos
para registro na ANVISA
Quando eu trabalhei em
laboratório terceirista, fiz muitos ensaios para registro na ANVISA pois tínhamos o REBLAS (hoje substituído pelo INMETRO). Estes ensaios seguiam os
métodos descritos pelo INCQS, que por sua vez, eram uma tradução dos métodos da
AOAC. Basicamente os ensaios para ação bactericida, esporicida e micobactericida,
consistem em utilizar-se 60 cilindros carreadores (inox ou porcelana, depende
do microrganismo a ser testado) contaminados de acordo com a descrição de cada
método, que são deixados em contato com 10 ml amostra, em um tubo de ensaio (1
para cada cilindro), pelo tempo indicado no rótulo. Passado o tempo de contato,
o cilindro é transferido com auxílio de uma alça de platina para um tubo
contendo meio de cultura neutralizante, onde permanece por 20 minutos. Terminado
o tempo, os cilindros são novamente transferidos para outro tubo contendo meio
de cultura semelhante. Posteriormente, os tubos são incubados para se verificar
se ocorre crescimento bacteriano.
O desinfetante, para ser
considerado satisfatório, deve ser capaz de matar os microrganismos teste
sobre 59 dos 60 cilindros utilizados, o que confere um nível de confiança de
95%. No caso de resultados insatisfatórios, o ensaio deve ser repetido para
confirmação. Quando o resultado do segundo ensaio for diferente do resultado do
primeiro ensaio, realizar o terceiro ensaio. O resultado final será aquele
obtido em dois ensaios com o mesmo resultado
Para teste em produtos
aplicados por mecanismos de aerossol ou bomba de spray, os cilindros são substituídos por lamínulas de vidro.
Já para testes de atividade
fungicida, uma suspensão filtrada contendo apenas os conídios do organismo Trichophyton mentagrophytes é inoculada
diretamente no produto, por períodos especificados no método. Após o tempo de
exposição, uma alíquota é amostrada e transferida para o caldo neutralizante.
Embora os métodos acima sejam
os requeridos para a comprovação de eficácia para registro dos saneantes,
particularmente não acho que sejam os melhores para uma avaliação no
laboratório para uso na rotina de limpeza e sanitização. São métodos que não
permitem avaliar a redução logarítmica, uma vez que você aprova de acordo com
o número de tubos com ou sem crescimento.
São técnicas trabalhosas, que
requerem muita atenção e destreza do analista, uma vez que são testes com tempo
de contato pré determinado e precisam ser cronometrados. O analista deve estar
bem organizado, pois uma vez iniciado o ensaio, não pode parar. Mas uma vez
dominada a técnica, esta pode ajudar em outro tipo de ensaio.
Elaboração
de protocolo de validação
Outra maneira de verificar a
eficácia dos saneantes escolhidos para uso na rotina diária é elaborar um
protocolo de validação, adaptando-se um método padrão para situações
específicas, de modo à obter-se resultados que satisfaçam melhor o perfil do
ambiente. A Farmacopeia Americana, no capítulo <1072> "Disinfectants
and Antiseptics" sugere além dos métodos AOAC (lembrando que os métodos
INCQS são uma tradução destes), ensaios em superfícies duras. Testes de
superfície dura são usados para imitar
as condições
da sala limpa, ou outro ambiente, incluindo a natureza das superfícies e o método de
aplicação,
seja pulverizando ou esfregando. Um método de superfície dura
envolve testar o desinfetante em cupons, que são aproximadamente
2"por 2" (5 cm por 5 cm) amostras de superfícies representativas
encontradas na sala limpa ou outro ambiente. Exemplos de superfícies são de aço
inoxidável, vinil e azulejo. Abaixo está um breve resumo de um método que usa
cupons:
- Os cupons são inoculados com 0,1 mL de inóculo de microrganismo;
- O desinfetante é aplicado no cupom;
- O desinfetante é deixado no cupom por um determinado período de tempo. (Por exemplo, 0, 5 e 10 minutos);
- Os cupons são amostrados para recuperação;
- As amostras são neutralizadas e plaqueadas ou filtradas e transferidas para o meio e incubadas;
- As colônias são enumeradas;
- A redução de log é determinada para cupons tratados versus cupons não tratados. O uso de controles positivos (cupons não tratados) é importante. Cálculos de redução de log dependem de boas contagens de controle;
- O objetivo para a atividade esporicida é pelo menos uma redução de 2 log UFC e para a atividade bactericida é pelo menos uma redução de 3 log UFC.
Além da escolha das superfícies, importante também o uso de cepas padrão e cepas in house, estas
ultimas isoladas do monitoramento ambiental de rotina. Os micro-organismo padrão
mais usados em protocolos são os que representam o que costumo chamar de
“grupos de micro-organismos” a saber: Escherichia
coli (gram negativo fermentador), Pseudomonas
aeruginosa (gram negativo não fermentador), Staphylococcus aureus (gram positivo), Bacillus subtilis (gram positivo formador de esporo), Candida albicans (levedura) e Aspergillus brasiliensis (bolor).
As cepas in house, como disse, são selecionadas de acordo com a frequência em
que aparecem no monitoramento ambiental.
Neutralizadores que inativam os
desinfetantes devem ser incluídos no diluente ou no meio microbiológico usado
para enumeração microbiana ou ambos, conforme tabela abaixo:
Agentes
Neutralizantes para Desinfetantes Comuns
Desinfetante
|
Agente
Neutralizante
|
Alcoóis
|
Diluição ou polissorbato 80
|
Glutaraldeído
|
Glicina e bissulfito de sódio
|
Hipoclorito de sódio
|
Tiossulfato de sódio
|
Clorhexidina
|
Polisorbato 80 e lecitina
|
Cloreto de mercúrio e outros mercuriais
|
Ácido tioglicólico
|
Compostos de amônio quaternário
|
Polisorbato 80 e lecitina
|
Compostos fenólicos
|
Diluição ou polissorbato 80 e lecitina
|
Os caldos neutralizadores
universais podem ser formulados para conter uma gama de agentes neutralizantes.
Por exemplo, o caldo Dey/Engley (D/E) contém 0,5% de polissorbato 80, 0,7% de
lecitina, 0,1% de tioglicolato de sódio, 0,6% de tiossulfato de sódio, 0,25% de
bissulfito de sódio, 0,5% de triptona, 0,25% de extrato de levedura e 1,0% de
dextrose; o caldo letheen contém 0,5% de polissorbato 80, 0,07% de lecitina, 1,0%
de peptamina, 0,5% de extrato de carne de vaca e 0,5% de cloreto de sódio; e
Caldo de base Tryptone – Azolectin – Tween (TAT) + tween 20 contém 4,0% (v/v)
de polissorbato 20, 0,5% de lecitina e 2,0% de triptona. Se faz necessário uma
avaliação prévia do sistema neutralizante. Um método validado para neutralizar
as propriedades antimicrobianas de um produto deve atender a dois critérios:
eficácia do neutralizador e toxicidade do neutralizador. O estudo de validação
documenta que o método de neutralização empregado é efetivo na inibição das
propriedades antimicrobianas do produto (eficácia neutralizante) sem prejudicar
a recuperação de microrganismos viáveis (toxicidade
neutralizante). Os protocolos de validação podem atender a esses dois critérios,
comparando os resultados de recuperação para os grupos de tratamento.
O primeiro é o grupo de teste,
no qual o produto é submetido ao método de neutralização, então um
microrganismo de baixo nível de desafio [menos de 100 unidades formadoras de colônia
(UFC)] é inoculado para recuperação. O segundo é o grupo de controlo de
peptona, em que o método de neutralização é utilizado com peptona ou fluido de
diluição A, como a solução de teste. O terceiro é o grupo de viabilidade, no
qual o inóculo real é usado sem exposição ao esquema de neutralização.
Recuperação semelhante entre o grupo teste e o grupo peptona demonstra eficácia
neutralizadora adequada; recuperação semelhante entre o grupo de peptona e o
grupo de viabilidade demonstrou toxicidade neutralizadora adequada.
Em princípio, o protocolo deve
mostrar que a recuperação de um inóculo baixo (inferior a 100 UFC) não é
inibida pela amostra de teste e pelo método de neutralização. Os protocolos de
validação podem atender a esses dois critérios comparando a recuperação entre
três grupos de teste distintos: (1) produto neutralizado com inóculo, (2)
controle de inoculo de desafio em solução tamponada e (3) inóculo na ausência
de produto ou neutralizador. Isto pode ser estabelecido comparando diretamente
o resultado na solução tratada (1) com o inóculo (3) acima. Se o crescimento na
solução tratada não for comparável ao crescimento no grupo de inóculo, deve ser
determinado se o próprio método de neutralização é tóxico para os microrganismos.
E por fim, a avaliação dos
resultados. Dependendo da quantidade de princípios ativos testados e tipos de
superfícies, a quantidade de dados gerados será grande. Quando executei uma validação deste porte, criei uma planilha no Excel, de modo a calcular as
reduções logarítmicas apenas incluindo a contagem encontrada em cada teste.
Uma vez que os resultados deveriam ser convertidos em log de base 10, para
evitar erros de cálculos, ajustei as fórmulas nas células da planilha, então ao
incluir o resultado encontrado na contagem das placas, este era convertido e a
redução calculada. Muito mais prático e confiável do que fazer tudo em
calculadora.
E reforçando: todo o processo
de validação deve ser documentado. É importantíssimo a elaboração de um
protocolo, bem como um relatório detalhando cada etapa do processo e fornecendo
os resultados, de forma a não deixar margem para dúvidas.
Bem caros colegas, com este
post encerro o tópico sobre Saneantes e Desinfetantes. Espero ajudar a
esclarecer alguns pontos. Em caso de dúvidas, estou sempre à disposição para
ajudar. Deixe seu comentário.
Até o próximo post!
Fontes:
UNITED
States Pharmacopeia. 37ª ed. 2014
PINTO, T.J.A.; KANEKO, T.M.; PINTO, A.F.
– Controle Biológico de Qualidade de Produtos Farmacêuticos, Correlatos
e Cosméticos