sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Endotoxinas Bacterianas

No post de hoje, trago um texto sobre Endotoxinas bacterianas, escrito pela minha amiga Janaina Fernandes, Bióloga e Farmacêutica, que trabalhou muitos anos com esta análise e tem bem mais propriedade em escrever sobre o assunto do que eu. No laboratório terceirista em que trabalhamos, este ensaio não era realizado pela área de Microbiologia, da qual fui supervisora por 5 anos, havia um laboratório somente para a realização de ensaios de endotoxinas. A Janaina foi supervisora deste setor.

ENDOTOXINAS BACTERIANAS

Todos os produtos estéreis, sejam injetáveis ou não, bem como suas matérias-primas ou materiais envolvidos na fabricação ou embalagem dos mesmos, tem por obrigatoriedade a realização do ensaio de endotoxinas bacterianas.
A Farmacopeia Brasileira 5ª edição define: O teste de endotoxina bacteriana é usado para detectar ou quantificar endotoxinas de bactérias gram negativas presentes em amostras para qual o teste é preconizado.
Utiliza-se o extrato aquoso dos amebócitos circulantes do Limulus polyphemus ou do Tachypleus tridentatus preparado e caracterizado como reagente LAL.




1.TÉCNICAS ANALÍTICAS

Há duas técnicas com sensibilidades diferentes para este teste:
1. MÉTODO DE COAGULAÇÃO EM GEL: baseado na formação de coágulo ou gel (método semi-quantitativo)
2. MÉTODOS FOTOMÉTRICOS quantitativos que incluem:
O MÉTODO TURBIDIMÉTRICO, (baseado no desenvolvimento de turbidez após quebra de um substrato endógeno);
O MÉTODO CROMOGÊNICO (baseado no desenvolvimento de cor após quebra de um complexo peptídeo sintético cromógeno).
Qualquer um destes procedimentos pode ser realizado, a menos que indicado contrário na monografia da substância.

Nota: As quantidades de endotoxinas são expressas em unidades de endotoxina (UE) definidas - 1 UE é igual a 1 UI (unidade internacional).

2. ANÁLISE SEMI-QUANTITATIVA

No método de coagulação em gel, a determinação do ponto final da reação é feita a partir de diluições da substância sob teste em comparação direta com diluições paralelas da endotoxina padrão.

Para a realização desta técnica utiliza-se tubos apirogênicos, micropipetas, ponteiras estéreis apirogênicas, banho-maria ou bloco aquecedor.
Faz-se a curva de calibração diluindo-se o padrão conforme a sensibilidade do lisado utilizado. ¼ , ½, 1 e 2x a sensibilidade do lisado.
Resultado esperado: ¼ (-), ½ (-), 1(+) e 2(+).


Negativo: gel frouxo ou semelhante à água (líquido)
Positivo: gel duro (não se desfaz)

Nota: cuidado ao virar o tubo, não deixar bater para não desestabilizar o gel e gerar um falso negativo.

3. ANÁLISE QUANTITATIVA

Atualmente no mercado, existem diversas marcas e técnicas para a realização da analise quantitativa.
Alguns utilizam placas de fundo chato (Elisa), seja por turbidimetria (turvação) ou cromogênico (formação de cores) o intuito é o mesmo, dizer exatamente quanto de endotoxinas possui a amostra preparada. É uma técnica muito mais precisa, mas exige treinamento do analista.
Deve-se tomar cuidado no preparo da curva de calibração, pipetagem, e alguns deles, o tempo que se leva para colocar o reagente, pois tudo isso pode influenciar no resultado final.
Normalmente, os resultados ficam armazenados no software e é possível localiza-los posteriormente.

Nota: cuidado ao adicionar os dados no sistema, senão a chance de erros de resultado é grande. Deve-se colocar a diluição utilizada ou a concentração final, dependendo o tipo de produto e a forma de expressão do resultado (limite de endotoxinas dado pela monografia).

4.LIMITE DE ENDOTOXINAS E CALCULO DE DILUIÇÃO

O limite de endotoxinas de cada matéria-prima é dado em monografias específicas, seja a Farmacopeia Brasileira, Americana, Japonesa, Britânica, enfim...
Em alguns casos é dado por EU/mg, EU/mL, EU/mg.
Se eu tenho uma monodroga, ou seja, um produto acabado que possui somente um ativo, posso utilizar o mesmo limite da matéria-prima?
Sim. Pode sim, uma vez que somente tem um ativo e normalmente diluído em água ultrapura.
Agora vamos falar somente em situações já conhecidas. Em outro post falaremos em situações onde eu não conheço o limite ou polidrogas.
Devemos fazer o calculo da diluição utilizando a seguinte formula:
MVD = limite de endotoxinas
         Sensibilidade do lisado
Observação: fórmula usada para quando o limite de endotoxina do fármaco especificado na monografia estiver em volume (UE/mL)

Onde:   M: máximo
            V: valor
            D: de diluição
Ou
MVD = limite de endotoxinas . concentração da amostra
                          Sensibilidade do lisado

Exemplos:
1.     Água purificada – limite de endotoxinas: 0,5EU/mL
Sensibilidade do lisado: 0,125EU/mL

MVD = limite de endotoxinas = 0,5 EU/mL = 4 , ou seja, podemos diluir até 4x ou 1:4
                Sens. Lisado           0,125EU/mL
2.     Solução de furosemida 10mg/mL – limite de endotoxinas (FB): 3,6EU/mg
Sensibilidade do lisado: 0,125EU/mL

MVD: limite de endotoxinas . concentração da amostra = 3,6EU/mg . 10mg/mL = 288 x
                      Sensibilidade do lisado                                     0,125EU/mL


Mais uma vez espero que este post ajude à elucidar dúvidas quanto ao ensaio de endotoxinas. Deixem seus comentários, opinião ou dúvidas!

Até a próxima.



quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Grow Promotion - Promoção de Crescimento em Meios de Cultura

Promoção de crescimento é um teste fundamental para o controle de qualidade dos meios de cultura utilizados na rotina laboratorial. Com ele podemos comprovar que o meio utilizado atende os requisitos à que se propõe e assegura o resultado final da análise.

No post de hoje, vou colocar de maneira sucinta como proceder corretamente com o teste de grow promotion, de modo a sanar possíveis dúvidas.

O que é Teste de Promoção de Crescimento?

É um teste que determina a adequação dos meios de cultura utilizados na rotina laboratorial e é usado por farmacopeias em todo o mundo. Verifica a capacidade que o meio tem em promover o crescimento microbiano.

A promoção de crescimento consiste em inocular organismos testes adequados ao tipo de meio.

Entende-se por organismo teste: Um conjunto de organismos teste deve conter micro-organismos com características estáveis, representativas de sua espécie e que sejam confiáveis para demonstrar o desempenho de um meio preparado no laboratório. Os organismos teste devem compreender as cepas que estejam facilmente disponíveis nas coleções de cultura de referência, porém cepas bem caracterizadas, isoladas no laboratório também podem ser incluídas.

Os organismos teste para cada meio pode incluir: 
  • Cepas positivas robustas com características típicas;
  • Cepas positivas que crescem fracamente (de uma natureza mais sensível);
  • Cepas não reativas bioquimicamente;
  • Cepas inibidas completamente.

Para os meios que não contêm indicadores ou agentes seletivos, o uso de uma cepa teste positiva simples, é adequado. Para os meios que contêm indicadores ou agentes seletivos, devem ser utilizadas cepas que demonstrem a função do indicador e seletividade. Para os meios complexos, como os adicionados de suplemento, cada lote deve ser verificado com as cepas que apresentem as características listadas acima.

Produtividade – Meios de cultura líquidos, semissólidos e sólidos devem ser inoculados com inóculos apropriados da cultura de trabalho dos organismos teste, utilizando um dispositivo adequado. Para métodos quantitativos a produtividade é a relação entre a contagem total de colônias no meio de cultura teste e contagem total de colônias no meio de cultura de referência.

Seletividade – Para a avaliação da seletividade em métodos quantitativos, utilizando dispositivos adequados e organismos teste definidos, um meio de cultura seletivo e um meio de referência são inoculados com inóculos apropriados dos organismos teste. Seletividade é a diferença entre a maior diluição, apresentando crescimento acima de 10 colônias, no meio de referência e a maior diluição, apresentando crescimento comparável, no meio teste.

Cuidado especial deve ser dado à seleção das amostras e organismos a serem avaliados nestes testes. Se organismos teste são utilizados na avaliação de meios não seletivos, os organismos escolhidos devem ser tão fastidiosos quanto àqueles para a qual o meio será utilizado rotineiramente. Recomenda-se que mais de um organismo teste seja utilizado para avaliar um determinado meio.

Para a avaliação de meios seletivos/diferenciais, devem ser escolhidos organismos que testem as características seletivas/diferenciais e de produtividade do meio. Meios líquidos podem ser avaliados utilizando organismos que devem crescer no meio e àqueles que devem ser reprimidos. Seguindo com uma incubação adequada, as concentrações devem ser determinadas para cada organismo teste. Um meio aceitável deve apresentar altas concentrações do organismo esperado e baixas concentrações do organismo reprimido. O desempenho de um novo lote deve ser similar ao lote controle. A avaliação de um meio sólido é realizada de uma maneira parecida.

Micro-organismos do grupo para qual o meio é designado devem ser recuperados, quantitativamente, quase comparado ao meio não seletivo. Organismos que devem ser reprimidos pelo meio, não podem se desenvolver ou devem ser fortemente reduzidos, ao se comparar com a enumeração do meio não seletivo.

Como escolher os organismos testes?

Metodologias (INCQS, AOAC) bem como as farmacopeias vigentes listam as cepas a serem testadas em cada meio recomendado em seus métodos como, por exemplo, o capitulo <61> da Farmacopeia Americana e o capitulo 5.5.3.1 da Farmacopeia Brasileira. Há uma tabela com a cepa, seu ATCC, o meio ao qual se aplica e o critério de aceitação.

Para alguns casos, além das cepas farmacopeicas, o analista pode utilizar micro-organismos “in house”, isolados ambientais do laboratório, fábrica ou outros. Para meios de cultura não farmacopeicos, pode-se tranquilamente utilizar os organismos que constam no certificado dos mesmos, bem como suas condições de incubação.

Quando e como realizar o teste de promoção de crescimento?

A promoção de crescimento deve ser realizada a cada lote produzido ou adquirido pronto. Assim o analista garante a qualidade de todos os ensaios conduzidos com estes meios. 
  • É importante usar suspensões padronizadas das cepas testes e utilizar técnica de manutenção de forma que o inóculo não ultrapasse 5 passagens do cultivo original. Cultivar cada micro-organismo (bactéria e fungo) separadamente.
  • Usar solução tampão cloreto de sódio-peptona pH - 7,0 ou solução tampão fosfato pH 7,2 para preparar as suspensões dos micro-organismos. Ao preparar a suspensão de esporos de A. brasiliensis, adicionar à solução tampão 0,05% de polissorbato 80.
  • Usar as suspensões dentro de 2 horas ou dentro de 24 horas se mantidas à temperatura de 2-8º C.
Para realizar o teste, é necessário preparar inóculos das cepas a serem utilizadas, numa concentração que não ultrapasse a contagem de 100 UFC/ml. É importante utilizar um ágar não seletivo como um controle ao testar meios líquidos. Isso garante que o meio líquido foi inoculado com < 100 UFC.

Com os inóculos preparados e em temperatura ambiente, inocular nos meios a serem testados. O uso de pipetas calibradas é fundamental.

Para meios líquidos, basta pipetar o inóculo no tubo e agitar para uma homogeneização. No caso dos meios em placa, o analista deve pipetar o inóculo na placa e espalhar o mesmo com o auxilio de uma alça de Drigalsky. Incubar os meios nas condições recomendadas para análise de rotina.  Sempre levar em consideração a condições ambientais exigidas pelas diferentes espécies. Use os indicadores para se certificar que os ambientes anaeróbicos sejam mantidos.

Critérios de aceitação

Para caldos de enriquecimento, basta que haja turvação após a incubação comparando com um branco (meio estéril). Já para ágar de contagem, é preciso avaliar a recuperação. Quando eu atuava em laboratório, o parâmetro aceito era de no mínimo 70% de recuperação. Hoje, os critérios mudaram. A farmacopeia brasileira aceita uma recuperação mínima de 50%. Já a farmacopeia americana orienta: “para meio sólido, o crescimento obtido não deve diferir por um fator maior que 2 a partir do valor calculado para um inóculo padronizado. Isso se traduz em uma recuperação de 50% -200%. Em outras palavras, se inocular 50 UFC de um inóculo padronizado, uma recuperação entre 25-100 UFC é aceitável”. Cabe ao analista ou as diretrizes do laboratório escolher o critério que lhe pareça melhor.

Já para os meios seletivos, o crescimento dos micro-organismos devem apresentar as características de coloração descritas nas especificações, por exemplo: no ágar MacConkey, as colônias de coliformes fecais devem crescer com a coloração rosa a avermelhada, enquanto que bactérias não fermentadoras não devem apresentar coloração. Em contrapartida, não deve haver crescimento de colônias Gram positivas, como Staphylococcus aureus, pois o ágar MacConkey possui um inibidor de crescimento para tais bactérias.

Compare o crescimento no novo meio de cultura com o crescimento no meio previamente aprovado.O crescimento deve ser "comparável“.Em paralelo realizar o controle do inóculo em ágar não seletivo: deve haver ≤ 100 UFC. Nenhum fator de 2 é necessário. Agar Cetrimide é um meio de cultura altamente seletivo. O principal agente seletivo é a cetrimida.. Age como um detergente de amônio quaternário (QAC) e detergente catiônico. Inibe bactérias Gram-positivas e algumas Gram-negativas. É inibitório para Pseudomonas sp. mas não deve ser para P. aeruginosa. O Agar Cetrimide tende a ter um desempenho melhor se não for muito fresco (2 a 3 semanas após a fabricação). Executar teste paralelo no TSA demonstra conformidade (<100 UFC no TSA). A USP não limita o volume utilizado para o inóculo.

As recomendações são para executar uma validação completa do fornecedor de meio de cultura..Os resultados entre 2 fabricantes podem ser significativamente diferentes: os Auditores recomendam ter 2 fornecedores, para evitar qualquer atraso ou problema de qualidade..Três lotes de meios de cultura para teste. E se não houver lote previamente aprovado? Considere vários técnicos. Use um número significativo de replicatas. A média das médias pode ser considerada como ponto de referência.

Esterilidade dos meios

Uma quantidade adequada de cada lote deve ser testada para verificar possível contaminação microbiana, através da incubação sob condições apropriadas, antes do uso ou em paralelo com a utilização do meio de cultura. Limites para a porcentagem de placas, tubos ou frascos com meio líquido, devem ser estabelecidos para cada meio, ou especificados pelo fabricante. “Para todos os meios confeccionados, colocar no mínimo 10% do lote preparado na estufa 35 ± 1°C por 24 horas para o controle de esterilidade.”  Esterilidade Meios de cultura líquidos ou meios de cultura seletivos podem apresentar algumas dificuldades, devido à inibição de microrganismos. A contaminação pode não estar evidente visualmente, em forma de turbidez ou formação de colônia. Esta ocorrência pode ser superada através da transferência de uma porção do meio de cultura seletivo líquido para um meio de cultura não seletivo ou fazendo um swab da superfície da placa e incubando o swab em um meio não seletivo. “Não deve haver mudança de cor e nem crescimento de qualquer colônia.” 

Mais uma vez reforço a importância de documentar os dados obtidos. É um como um mantra em controle de qualidade. É imprescindível um POP que descreva como a promoção de crescimento deve ser realizada e documentada. Garante a rastreabilidade e não gera dúvidas em auditorias.

Espero que este post esclareça duvidas básicas. Deixem seus comentários! Afinal, o blog está aberto à discussões e melhorias.

Fontes:

brasil, ANVISA. Farmacopeia Brasileira 5ª ed. 2010
UNITED States Pharmacopeia. 37ª ed. 2014
PDS HPPC. Guia de Microbiologia 1ª ed. 2015 
Apresentação: Importância do Controle de Qualidade dos Meios de Cultura aplicados à Indústria Farmacêutic Ministrado por Leticia Dias - Workshop Unifar sobre meios de cultura