Olá colegas,
trago hoje um excelente texto de um colega da área Filipe Daniel de
Araújo, espero que gostem!
O Coração da Indústria: Onde a Segurança Encontra a Inovação
Imagine um mundo onde os medicamentos não
curam, os alimentos não nutrem e os cosméticos não embelezam. É um cenário
impensável, e a razão pela qual as indústrias farmacêutica, alimentícia e
cosmética operam sob um rigoroso manto de segurança e qualidade. Mas como essa
excelência é alcançada e mantida? A resposta reside em uma sinfonia perfeitamente orquestrada entre três pilares
fundamentais: Engenharia, Qualidade e Validação. Longe de serem
departamentos isolados, a verdadeira magia acontece quando esses setores
trabalham em total integração, transformando diretrizes regulatórias em
produtos que protegem e melhoram vidas. Este artigo mergulha na essência dessa
colaboração, desvendando como a união desses conhecimentos é a chave para a
inovação responsável e a confiança do consumidor.
Bússola Regulatória: Guiando a Jornada da Qualidade
No epicentro dessas indústrias, a
conformidade regulatória não é apenas uma obrigação, mas um compromisso
inegociável. Órgãos como a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) no Brasil e a Food and Drug
Administration (FDA) nos Estados Unidos atuam como bússolas,
estabelecendo as coordenadas para a segurança e eficácia dos produtos.
Engenharia, Qualidade e Validação não apenas seguem essas regras; eles as
interpretam, implementam e garantem que cada etapa do processo produtivo esteja
em perfeita harmonia com as expectativas regulatórias.
ANVISA: O Guardião da Saúde no Brasil
A ANVISA, com sua vasta gama de Resoluções da
Diretoria Colegiada (RDCs), molda o cenário industrial brasileiro. Vejamos como
algumas delas tecem a rede de integração:
- RDC
658/2022 – A Espinha Dorsal da Farmacêutica: Esta resolução não é apenas um conjunto de
regras; é um manual que exige um Sistema da Qualidade
Farmacêutica robusto [4]. Ela detalha as Boas
Práticas de Fabricação (BPF) de Medicamentos, desde a gestão de pessoal
e instalações até a produção e controle de qualidade. Aqui, a Engenharia
projeta e mantém as instalações e equipamentos, a Qualidade define os padrões e
a Validação prova que tudo funciona como deveria. A RDC 658/2022 explicitamente
menciona a qualificação de utilidades como sistemas de HVAC e água, destacando
a necessidade de que a Engenharia garanta a infraestrutura, a Qualidade defina
os requisitos e a Validação ateste seu desempenho [4].
- RDC
216/2004 – A Higiene na Mesa do Consumidor: Focada em Serviços de
Alimentação, esta RDC [5] estabelece princípios de higiene, controle de
contaminantes e procedimentos operacionais padronizados (POPs). Para a
indústria alimentícia, isso se traduz na necessidade de a Engenharia projetar
linhas de produção que facilitem a limpeza e sanitização, a Qualidade definir
os protocolos de higiene e a Validação assegurar que esses processos sejam
eficazes na prevenção de contaminação.
- RDC
48/2013 – A Beleza com Responsabilidade:
Esta resolução aprova as Boas Práticas de Fabricação para
Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes [6]. Ela enfatiza a
responsabilidade compartilhada pela excelência do produto, a importância da
documentação e a validação de atividades produtivas e de higienização. A
Engenharia garante a infraestrutura adequada, a Qualidade estabelece os padrões
e a Validação confirma que os sistemas de água e informatizados, por exemplo,
operam conforme o esperado para manter a integridade do produto cosmético [6].
FDA: Padrões Globais de Excelência
Nos Estados Unidos, a FDA estabelece as Current Good Manufacturing Practice (CGMP), que são os
requisitos mínimos para a fabricação de produtos. O guia "Process
Validation: General Principles and Practices" da FDA é um mantra
que ressoa em todas as indústrias reguladas: a qualidade deve ser
"construída" no processo, não apenas testada no final [7]. Isso
significa que a Engenharia deve projetar processos intrinsecamente robustos, a
Qualidade deve monitorar e controlar cada etapa, e a Validação deve fornecer a
prova documentada de que o processo é capaz de entregar consistentemente um
produto de alta qualidade. Regulamentações como o 21 CFR
Part 211 para medicamentos [8] e o 21 CFR Part 820
para sistemas de qualidade de dispositivos médicos (que agora incorpora a ISO
13485) [9] são exemplos claros dessa abordagem integrada.
ISO: A Linguagem Universal da
Qualidade
Além das regulamentações nacionais, as normas
da International Organization for Standardization (ISO)
oferecem um vocabulário comum para a excelência global, complementando e, por
vezes, influenciando as diretrizes locais.
- ISO
9001 – O Alicerce da Gestão da Qualidade:
Esta norma universal [10] fornece a estrutura para um Sistema
de Gestão da Qualidade (SGQ). Ela é o ponto de partida para a melhoria
contínua, onde a Engenharia otimiza processos, a Qualidade define os
indicadores e a Validação verifica a eficácia das mudanças.
- ISO
22716 – BPF para Cosméticos: Uma norma
sob medida para a indústria cosmética [11], que detalha as Boas Práticas de Fabricação. Ela garante que a produção,
controle, armazenamento e expedição de cosméticos sejam realizados sob os mais
altos padrões de segurança e qualidade, exigindo a colaboração estreita entre
Engenharia (infraestrutura), Qualidade (monitoramento) e Validação (comprovação).
- ISO
22000 – Segurança Alimentar da Fazenda à Mesa: Essencial para a segurança
de alimentos [12], esta norma abrange toda a cadeia produtiva. A
Engenharia projeta as instalações e equipamentos, a Qualidade implementa os
controles e a Validação assegura que os processos garantam a segurança do
alimento em todas as etapas.
- ISO
13485 – Qualidade em Dispositivos Médicos (e Além): Embora focada em dispositivos
médicos [13], seus princípios de gestão da qualidade e validação de
processos são um modelo para a indústria farmacêutica, tanto que a FDA a
incorporou em suas regulamentações [9].
A Engenharia: O Arquiteto da
Qualidade e da Validação
A Engenharia é a mente criativa e a mão
construtora que materializa a visão de um produto seguro e eficaz. A Engenharia de Manutenção, em particular, é a guardiã da
longevidade e do desempenho dos sistemas, garantindo que a infraestrutura e os
equipamentos operem de forma contínua, eficiente e, crucialmente, dentro dos
parâmetros validados.
Equipamentos e a Tríade da Qualificação (IQ,
OQ, PQ)
Cada equipamento em uma linha de produção é
um elo crítico na cadeia da qualidade. A qualificação de
equipamentos é o processo que atesta sua aptidão para o uso pretendido
[4], e é um excelente exemplo da integração necessária:
- Qualificação
de Instalação (IQ): A
Engenharia instala o equipamento, e a Validade verifica se a instalação está em
conformidade com as especificações do fabricante e os requisitos regulatórios
[14].
- Qualificação
Operacional (OQ): A
Engenharia e a Qualidade definem os limites operacionais, e a Validação
demonstra que o equipamento funciona dentro desses limites em todas as
condições previstas [14].
- Qualificação
de Desempenho (PQ): A
Engenharia otimiza o processo, a Qualidade monitora os resultados e a Validação
confirma que o equipamento, operando com materiais específicos, produz
consistentemente um produto que atende aos padrões de qualidade [14].
A calibração regular
dos equipamentos, uma tarefa essencial da Engenharia de Manutenção, é o que
garante a precisão das medições e a confiabilidade dos processos, sendo um
pré-requisito para qualquer validação [15].
Salas Limpas, HVAC e Utilidades: O Ambiente
Controlado
Em muitas dessas indústrias, o ambiente de
produção é tão crítico quanto o próprio processo. As salas
limpas, projetadas pela Engenharia, são ambientes meticulosamente
controlados para minimizar a contaminação [4]. O sistema de HVAC (Heating, Ventilation, and Air Conditioning), também
sob a alçada da Engenharia, é o coração que mantém a temperatura, umidade,
pressão e filtragem do ar dentro de limites rigorosos, impactando diretamente a
qualidade do produto e exigindo validação constante [4].
As utilidades,
como a Água para Injetáveis (WFI), Água Purificada (PW), ar comprimido e vapor
puro, são a alma de muitos processos. A Engenharia projeta e instala esses
sistemas complexos, a Qualidade monitora sua pureza e a Validação garante que
eles entreguem consistentemente a qualidade exigida, especialmente para
produtos estéreis. A falha em qualquer um desses elos pode comprometer a
integridade do produto final.
Qualidade e Validação: Os Pilares
da Confiança
Se a Engenharia constrói, a Qualidade define
o que deve ser construído e a Validação prova que foi bem construído. O
departamento de Qualidade estabelece e mantém o Sistema de
Gestão da Qualidade, enquanto a Validação fornece a evidência documentada de que processos, equipamentos e
sistemas funcionam conforme o esperado. A integração com a Engenharia é vital
para:
- Desenvolvimento
de Processos: A
Engenharia concebe, a Qualidade estabelece os requisitos de desempenho e a
Validação verifica a capacidade do processo de entregar produtos consistentes.
- Gestão
de Riscos: A Engenharia identifica
vulnerabilidades em equipamentos e instalações, a Qualidade avalia o impacto
desses riscos no produto e a Validação implementa e verifica a eficácia das
medidas de mitigação.
- Melhoria
Contínua: A análise de dados de desempenho
de equipamentos (fornecidos pela Engenharia) e os resultados de validação
alimentam o ciclo de melhoria contínua, impulsionando a inovação e a otimização
de processos.
Harmonização e Resolução Ágil: O
Poder da Colaboração
A verdadeira integração transcende a mera
conformidade regulatória; ela fomenta uma cultura de colaboração. Em vez de
silos competitivos, a Engenharia, Qualidade e Validação devem operar como um
time coeso. A comunicação transparente e a compreensão mútua dos desafios de
cada área são essenciais. Quando um desvio ou problema surge, a capacidade de
resolvê-lo de forma rápida e objetiva depende
diretamente dessa sinergia. Juntos, investigam a causa raiz, implementam Ações Corretivas e Preventivas (CAPA) e garantem que a
solução seja não apenas eficaz, mas também duradoura, evitando reincidências.
Treinamento: O Combustível para a
Integração
Nenhuma integração é completa sem o
investimento no capital humano. O treinamento contínuo
é o alicerce que capacita toda a equipe, desde a alta gerência até os
operadores, a compreender e aplicar os princípios das BPF, as políticas de
qualidade e os procedimentos de validação [4]. Treinamentos específicos para
engenheiros sobre as nuances regulatórias, para o pessoal de qualidade sobre os
aspectos técnicos dos equipamentos e para os validadores sobre a complexidade
dos processos são cruciais. Isso garante que todos falem a mesma língua,
compreendam o impacto de suas ações na qualidade e segurança do produto, e
contribuam ativamente para a cultura de excelência.
Conclusão: Uma Visão Unificada
para o Futuro
A total integração da Engenharia com
Qualidade e Validação não é um luxo, mas uma necessidade
estratégica para a sustentabilidade e o sucesso das indústrias
farmacêutica, alimentícia e cosmética. Ao construir uma cultura onde a
colaboração é a norma, a comunicação é fluida e o aprendizado é contínuo, essas
indústrias não apenas atendem, mas superam as rigorosas expectativas
regulatórias e do consumidor. A sinergia entre esses pilares é a chave mestra para a excelência operacional, a inovação
responsável e, acima de tudo, a garantia de produtos seguros e de alta
qualidade que beneficiam a sociedade. É uma sinfonia de excelência que ressoa
em cada produto entregue, construindo confiança e um futuro mais seguro.
Elaborado por:
Filipe Daniel de Araújo
Coordenador de Projetos da Master Trade no Rio de Janeiro,
Profissional com mais de 20 anos
no mercado de engenharia, tendo passado por grandes empresas como Bayer e Merck
e participado de diversos projetos em tantas outras empresas no ramo
farmacêutico.
Engenheiro mecânico com larga
experiência e especialista em projetos e montagens de em sistemas de Osmose,
WFI/PW, Vapor Puro, CIP/SIP, Gases especiais e Central de Utilidades.
Referências
[1] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/english/regulation-of-products
[2] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/anvisa-revisa-e-consolida-normas-das-areas-de-cosmeticos-e-saneantes
[3] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2025/anvisa-apresenta-pontos-principais-da-rdc-954-2024-para-setor-regulado
[4] https://sindusfarma.org.br/uploads/files/8e1f-diego-silva/2022/Anvisa/RDC%20BPF%20-%20Anvisa/file.pdf
[5] https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2004/res0216_15_09_2004.html
[6] https://vistosistemas.com.br/rdc-48-2013/
[7] https://www.fda.gov/files/drugs/published/Process-Validation--General-Principles-and-Practices.pdf
[8] https://www.ecfr.gov/current/title-21/chapter-I/subchapter-C/part-211
[9] https://www.fda.gov/medical-devices/quality-system-qs-regulationmedical-device-current-good-manufacturing-practices-cgmp/quality-management-system-regulation-final-rule-amending-quality-system-regulation-frequently-asked
[10] https://simplerqms.com/pharmaceutical-quality-management-system/
[11] https://www.registrarcorp.com/blog/cosmetics/iso-22716/gmp-for-cosmetics/
[12] https://www.iso.org/standard/35466.html
[13] https://www.iso.org/iso-13485-medical-devices.html
[14] https://www.ajolly.com.br/o-que-e-iq-oq-pq-etapas-da-validacao-de-equipamentos-e-sistemas/
[15] https://www.tecnocalibracao.com.br/calibracao-de-equipamentos-da-industria-alimenticia/