segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A Sinfonia da Excelência: Engenharia, Qualidade e Validação em Total Integração nas Indústrias Farmacêuticas, Alimentícias e Cosméticas



Olá colegas, trago hoje um excelente texto de um colega da área Filipe Daniel de Araújo, espero que gostem!

O Coração da Indústria: Onde a Segurança Encontra a Inovação

Imagine um mundo onde os medicamentos não curam, os alimentos não nutrem e os cosméticos não embelezam. É um cenário impensável, e a razão pela qual as indústrias farmacêutica, alimentícia e cosmética operam sob um rigoroso manto de segurança e qualidade. Mas como essa excelência é alcançada e mantida? A resposta reside em uma sinfonia perfeitamente orquestrada entre três pilares fundamentais: Engenharia, Qualidade e Validação. Longe de serem departamentos isolados, a verdadeira magia acontece quando esses setores trabalham em total integração, transformando diretrizes regulatórias em produtos que protegem e melhoram vidas. Este artigo mergulha na essência dessa colaboração, desvendando como a união desses conhecimentos é a chave para a inovação responsável e a confiança do consumidor.

Bússola Regulatória: Guiando a Jornada da Qualidade

No epicentro dessas indústrias, a conformidade regulatória não é apenas uma obrigação, mas um compromisso inegociável. Órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) no Brasil e a Food and Drug Administration (FDA) nos Estados Unidos atuam como bússolas, estabelecendo as coordenadas para a segurança e eficácia dos produtos. Engenharia, Qualidade e Validação não apenas seguem essas regras; eles as interpretam, implementam e garantem que cada etapa do processo produtivo esteja em perfeita harmonia com as expectativas regulatórias.

ANVISA: O Guardião da Saúde no Brasil

A ANVISA, com sua vasta gama de Resoluções da Diretoria Colegiada (RDCs), molda o cenário industrial brasileiro. Vejamos como algumas delas tecem a rede de integração: 

  • RDC 658/2022 – A Espinha Dorsal da Farmacêutica: Esta resolução não é apenas um conjunto de regras; é um manual que exige um Sistema da Qualidade Farmacêutica robusto [4]. Ela detalha as Boas Práticas de Fabricação (BPF) de Medicamentos, desde a gestão de pessoal e instalações até a produção e controle de qualidade. Aqui, a Engenharia projeta e mantém as instalações e equipamentos, a Qualidade define os padrões e a Validação prova que tudo funciona como deveria. A RDC 658/2022 explicitamente menciona a qualificação de utilidades como sistemas de HVAC e água, destacando a necessidade de que a Engenharia garanta a infraestrutura, a Qualidade defina os requisitos e a Validação ateste seu desempenho [4].
  • RDC 216/2004 – A Higiene na Mesa do Consumidor: Focada em Serviços de Alimentação, esta RDC [5] estabelece princípios de higiene, controle de contaminantes e procedimentos operacionais padronizados (POPs). Para a indústria alimentícia, isso se traduz na necessidade de a Engenharia projetar linhas de produção que facilitem a limpeza e sanitização, a Qualidade definir os protocolos de higiene e a Validação assegurar que esses processos sejam eficazes na prevenção de contaminação.
  • RDC 48/2013 – A Beleza com Responsabilidade: Esta resolução aprova as Boas Práticas de Fabricação para Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes [6]. Ela enfatiza a responsabilidade compartilhada pela excelência do produto, a importância da documentação e a validação de atividades produtivas e de higienização. A Engenharia garante a infraestrutura adequada, a Qualidade estabelece os padrões e a Validação confirma que os sistemas de água e informatizados, por exemplo, operam conforme o esperado para manter a integridade do produto cosmético [6].

FDA: Padrões Globais de Excelência

Nos Estados Unidos, a FDA estabelece as Current Good Manufacturing Practice (CGMP), que são os requisitos mínimos para a fabricação de produtos. O guia "Process Validation: General Principles and Practices" da FDA é um mantra que ressoa em todas as indústrias reguladas: a qualidade deve ser "construída" no processo, não apenas testada no final [7]. Isso significa que a Engenharia deve projetar processos intrinsecamente robustos, a Qualidade deve monitorar e controlar cada etapa, e a Validação deve fornecer a prova documentada de que o processo é capaz de entregar consistentemente um produto de alta qualidade. Regulamentações como o 21 CFR Part 211 para medicamentos [8] e o 21 CFR Part 820 para sistemas de qualidade de dispositivos médicos (que agora incorpora a ISO 13485) [9] são exemplos claros dessa abordagem integrada.

ISO: A Linguagem Universal da Qualidade

Além das regulamentações nacionais, as normas da International Organization for Standardization (ISO) oferecem um vocabulário comum para a excelência global, complementando e, por vezes, influenciando as diretrizes locais.

  • ISO 9001 – O Alicerce da Gestão da Qualidade: Esta norma universal [10] fornece a estrutura para um Sistema de Gestão da Qualidade (SGQ). Ela é o ponto de partida para a melhoria contínua, onde a Engenharia otimiza processos, a Qualidade define os indicadores e a Validação verifica a eficácia das mudanças.
  • ISO 22716 – BPF para Cosméticos: Uma norma sob medida para a indústria cosmética [11], que detalha as Boas Práticas de Fabricação. Ela garante que a produção, controle, armazenamento e expedição de cosméticos sejam realizados sob os mais altos padrões de segurança e qualidade, exigindo a colaboração estreita entre Engenharia (infraestrutura), Qualidade (monitoramento) e Validação (comprovação).
  • ISO 22000 – Segurança Alimentar da Fazenda à Mesa: Essencial para a segurança de alimentos [12], esta norma abrange toda a cadeia produtiva. A Engenharia projeta as instalações e equipamentos, a Qualidade implementa os controles e a Validação assegura que os processos garantam a segurança do alimento em todas as etapas.
  • ISO 13485 – Qualidade em Dispositivos Médicos (e Além): Embora focada em dispositivos médicos [13], seus princípios de gestão da qualidade e validação de processos são um modelo para a indústria farmacêutica, tanto que a FDA a incorporou em suas regulamentações [9].

A Engenharia: O Arquiteto da Qualidade e da Validação

A Engenharia é a mente criativa e a mão construtora que materializa a visão de um produto seguro e eficaz. A Engenharia de Manutenção, em particular, é a guardiã da longevidade e do desempenho dos sistemas, garantindo que a infraestrutura e os equipamentos operem de forma contínua, eficiente e, crucialmente, dentro dos parâmetros validados.

Equipamentos e a Tríade da Qualificação (IQ, OQ, PQ)

Cada equipamento em uma linha de produção é um elo crítico na cadeia da qualidade. A qualificação de equipamentos é o processo que atesta sua aptidão para o uso pretendido [4], e é um excelente exemplo da integração necessária: 
  • Qualificação de Instalação (IQ): A Engenharia instala o equipamento, e a Validade verifica se a instalação está em conformidade com as especificações do fabricante e os requisitos regulatórios [14].
  • Qualificação Operacional (OQ): A Engenharia e a Qualidade definem os limites operacionais, e a Validação demonstra que o equipamento funciona dentro desses limites em todas as condições previstas [14].
  • Qualificação de Desempenho (PQ): A Engenharia otimiza o processo, a Qualidade monitora os resultados e a Validação confirma que o equipamento, operando com materiais específicos, produz consistentemente um produto que atende aos padrões de qualidade [14]. 
A calibração regular dos equipamentos, uma tarefa essencial da Engenharia de Manutenção, é o que garante a precisão das medições e a confiabilidade dos processos, sendo um pré-requisito para qualquer validação [15].

Salas Limpas, HVAC e Utilidades: O Ambiente Controlado

Em muitas dessas indústrias, o ambiente de produção é tão crítico quanto o próprio processo. As salas limpas, projetadas pela Engenharia, são ambientes meticulosamente controlados para minimizar a contaminação [4]. O sistema de HVAC (Heating, Ventilation, and Air Conditioning), também sob a alçada da Engenharia, é o coração que mantém a temperatura, umidade, pressão e filtragem do ar dentro de limites rigorosos, impactando diretamente a qualidade do produto e exigindo validação constante [4].
As utilidades, como a Água para Injetáveis (WFI), Água Purificada (PW), ar comprimido e vapor puro, são a alma de muitos processos. A Engenharia projeta e instala esses sistemas complexos, a Qualidade monitora sua pureza e a Validação garante que eles entreguem consistentemente a qualidade exigida, especialmente para produtos estéreis. A falha em qualquer um desses elos pode comprometer a integridade do produto final.

Qualidade e Validação: Os Pilares da Confiança


Se a Engenharia constrói, a Qualidade define o que deve ser construído e a Validação prova que foi bem construído. O departamento de Qualidade estabelece e mantém o Sistema de Gestão da Qualidade, enquanto a Validação fornece a evidência documentada de que processos, equipamentos e sistemas funcionam conforme o esperado. A integração com a Engenharia é vital para: 

  • Desenvolvimento de Processos: A Engenharia concebe, a Qualidade estabelece os requisitos de desempenho e a Validação verifica a capacidade do processo de entregar produtos consistentes.
  • Gestão de Riscos: A Engenharia identifica vulnerabilidades em equipamentos e instalações, a Qualidade avalia o impacto desses riscos no produto e a Validação implementa e verifica a eficácia das medidas de mitigação.
  • Melhoria Contínua: A análise de dados de desempenho de equipamentos (fornecidos pela Engenharia) e os resultados de validação alimentam o ciclo de melhoria contínua, impulsionando a inovação e a otimização de processos.

Harmonização e Resolução Ágil: O Poder da Colaboração

A verdadeira integração transcende a mera conformidade regulatória; ela fomenta uma cultura de colaboração. Em vez de silos competitivos, a Engenharia, Qualidade e Validação devem operar como um time coeso. A comunicação transparente e a compreensão mútua dos desafios de cada área são essenciais. Quando um desvio ou problema surge, a capacidade de resolvê-lo de forma rápida e objetiva depende diretamente dessa sinergia. Juntos, investigam a causa raiz, implementam Ações Corretivas e Preventivas (CAPA) e garantem que a solução seja não apenas eficaz, mas também duradoura, evitando reincidências.

Treinamento: O Combustível para a Integração

Nenhuma integração é completa sem o investimento no capital humano. O treinamento contínuo é o alicerce que capacita toda a equipe, desde a alta gerência até os operadores, a compreender e aplicar os princípios das BPF, as políticas de qualidade e os procedimentos de validação [4]. Treinamentos específicos para engenheiros sobre as nuances regulatórias, para o pessoal de qualidade sobre os aspectos técnicos dos equipamentos e para os validadores sobre a complexidade dos processos são cruciais. Isso garante que todos falem a mesma língua, compreendam o impacto de suas ações na qualidade e segurança do produto, e contribuam ativamente para a cultura de excelência.

Conclusão: Uma Visão Unificada para o Futuro

A total integração da Engenharia com Qualidade e Validação não é um luxo, mas uma necessidade estratégica para a sustentabilidade e o sucesso das indústrias farmacêutica, alimentícia e cosmética. Ao construir uma cultura onde a colaboração é a norma, a comunicação é fluida e o aprendizado é contínuo, essas indústrias não apenas atendem, mas superam as rigorosas expectativas regulatórias e do consumidor. A sinergia entre esses pilares é a chave mestra para a excelência operacional, a inovação responsável e, acima de tudo, a garantia de produtos seguros e de alta qualidade que beneficiam a sociedade. É uma sinfonia de excelência que ressoa em cada produto entregue, construindo confiança e um futuro mais seguro.

Elaborado por:

Filipe Daniel de Araújo

Coordenador de Projetos da Master Trade no Rio de Janeiro,

Profissional com mais de 20 anos no mercado de engenharia, tendo passado por grandes empresas como Bayer e Merck e participado de diversos projetos em tantas outras empresas no ramo farmacêutico.

Engenheiro mecânico com larga experiência e especialista em projetos e montagens de em sistemas de Osmose, WFI/PW, Vapor Puro, CIP/SIP, Gases especiais e Central de Utilidades.

Referências

[1] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/english/regulation-of-products

[2] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/anvisa-revisa-e-consolida-normas-das-areas-de-cosmeticos-e-saneantes

[3] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2025/anvisa-apresenta-pontos-principais-da-rdc-954-2024-para-setor-regulado

[4] https://sindusfarma.org.br/uploads/files/8e1f-diego-silva/2022/Anvisa/RDC%20BPF%20-%20Anvisa/file.pdf

[5] https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2004/res0216_15_09_2004.html [6] https://vistosistemas.com.br/rdc-48-2013/

[7] https://www.fda.gov/files/drugs/published/Process-Validation--General-Principles-and-Practices.pdf

[8] https://www.ecfr.gov/current/title-21/chapter-I/subchapter-C/part-211

[9] https://www.fda.gov/medical-devices/quality-system-qs-regulationmedical-device-current-good-manufacturing-practices-cgmp/quality-management-system-regulation-final-rule-amending-quality-system-regulation-frequently-asked

[10] https://simplerqms.com/pharmaceutical-quality-management-system/

[11] https://www.registrarcorp.com/blog/cosmetics/iso-22716/gmp-for-cosmetics/

[12] https://www.iso.org/standard/35466.html

[13] https://www.iso.org/iso-13485-medical-devices.html

[14] https://www.ajolly.com.br/o-que-e-iq-oq-pq-etapas-da-validacao-de-equipamentos-e-sistemas/

[15] https://www.tecnocalibracao.com.br/calibracao-de-equipamentos-da-industria-alimenticia/


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